Não gosto do Dia da Mulher

09-03-2025

Não gosto do Dia da Mulher porque não me identifico com a forma como é celebrado. Não é com flores que se vai verificar uma mudança social e fazê-lo desta forma, até acaba por nos “reduzir” à insignificância de quem se sente empoderada por receber uma rosa ou uma caixa de chocolates. Não sentimos, mesmo.

Também não acho que todas as mulheres têm de ser mães para serem completas. De todo. Mas, como mãe e profissional, sinto o dever de refletir sobre como a maternidade, ainda hoje, é um entrave ao desenvolvimento profissional, embora, felizmente, não seja a minha experiência profissional. A grande maioria das empresas não está preparada para as circunstâncias que envolvem essa gestão.

Como mãe e profissional – sem querer “bater a mão no peito” – sinto o dever de refletir sobre como a maternidade potencia certas competências, essenciais para o presente e ainda mais para o futuro.

Essa reflexão levou-me para Fernando Pessoa, que criou os seus heterónimos não apenas como um exercício literário, mas como uma forma de dar voz às múltiplas versões de si próprio. Álvaro de Campos era intenso e expansivo, Ricardo Reis mais racional e contido, Alberto Caeiro simples e direto. Nenhum era falso, todos eram ele, expressando-se conforme a perspetiva, momento e o objetivo. Talvez Pessoa já antecipasse algo que hoje se tornou essencial: a fluidez na forma como nos movemos no mundo. E a fluidez é conceito comum à evolução dos conceitos VUCA e BANI – agora vivemos no mundo FLUX: não basta reconhecer a mudança, é necessário fluir com ela.

Já não basta reagir, é essencial uma adaptação constante, olhar de diversos ângulos e perspetivas e ter o poder transformacional para aceitar o paradoxo que nos devemos aceitar e às nossas diferenças, para termos a segurança de nos transformarmos, continuamente.

E, assim como outras experiências de vida igualmente significativas, a maternidade ensina-nos muito sobre adaptação, resiliência, capacidade de decisão, inteligência emocional, priorização e gestão de tempo.

Entre a maternidade, Fernando Pessoa e o modelo FLUX:

     Ouvir é mais do que escutar. Nem sempre são as palavras, é a “forma”, o olhar que não brilha, são as “mãos” que não falam com energia. E, por vezes, o que mais importa até é o que não é dito.

     Aceitar que o imprevisto faz parte do caminho. Não basta aceitar a incerteza, temos de nos saber movimentar dentro dela. Temos planos, sim, para serem ajustados constantemente. Interessam duas coisas: a nossa sanidade mental e alcançar o melhor objetivo com as “cartas” que temos.

     A imperfeição é humana. Diria ainda que a perfeição tem várias versões e “identidades”. No hoje em que vivemos não há espaço para o mito da perfeição, não há um único caminho certo: tentamos, erramos e crescemos.

     Celebrar pequenas vitórias tem um impacto enorme. Reconhecer em nós e nos outros as conquistas, ajuda-nos a manter o equilíbrio e a autoconfiança, a mantermo-nos humanos, e a encontrar propósito.

Não há uma única versão de nós mesmos. Somos uma combinação do que fomos, somos e queremos vir a ser, pelo que termos a capacidade de adaptação, sermos “camaleões”, não só no espaço, mas no tempo, pode significar sermos melhores do que no dia anterior. E isso, por vezes, já é uma conquista.

Valorizo e agradeço a importância de se ter criado uma data que, em tantos países, celebra a Mulher – havendo ainda um longo caminho para a reconhecer em tantos outros. Mas Dia da Mulher não há só um. Quando for todos os dias, já não precisaremos dele.

 

Artigo escrito por Sara Ferreira e publicado em Observador

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